O Grupo Bitcoin Banco, fundado pelo empresário Claudio Oliveira, teve o pedido de recuperação judicial aprovado no final do ano passado. Com isso, a dívida bilionária do conglomerado passou a ser discutida dentro deste processo específico.
Via de regra, em processos de recuperação judicial somente as empresas respondem pelas dívidas e pelas obrigações junto aos credores.
No entanto, a juíza Marília Garcia Guedes, da 10ª Vara Cível de Brasília, decidiu nesta semana que um investidor lesado pelo grupo pode reaver seu dinheiro indo atrás do patrimônio do próprio Oliveira.
Vale lembrar que o empresário, conhecido em um passado recente como “rei do bitcoin”, declarou ter cerca de 25 mil bitcoins em 2018, conforme noticiou o site Cointelegraph. Na cotação do hoje, o montante daria cerca de R$ 1,2 bilhão.
Por que a Justiça deixou o investidor ir atrás do patrimônio do rei do bitcoin?
Segundo a magistrada, o antigo cliente do Bitcoin Banco pode cobrar o empresário porque a Justiça havia determinado a desconsideração da personalidade jurídica.
Esta medida processual, presente na Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, divide as responsabilidades das empresas recuperandas – direitos, deveres, dívidas etc – com os sócios.
“(…) em sede de sentença foi desconsiderada a personalidade jurídica das requeridas para que o patrimônio do sócio Claudio Jose Oliveira seja alcançado para pagamento da dívida perante o autor. Assim, tendo em vista a condenação solidária, defiro em parte o pedido. Intime-se o autor para que, caso tenha interesse, apresente o pedido de cumprimento de sentença em face de Oliveira (…)”, disse Marília Garcia na sentença.
O que disse o Grupo Bitcoin Banco?
Em nota, o Grupo Bitcoin Banco informou que a tentativa do investidor de buscar qualquer valor fora do processo de recuperação judicial só atrasará a liquidação do crédito.
“O tempo utilizado para busca da realização de um crédito ao autor somente demandará mais tempo no tocante a efetiva liquidação, visto que, de forma prática, atrasa sua habilitação perante a recuperação judicial e será infrutífera”, disse o grupo.
Informou também que “não é possível permitir que qualquer credor conquiste satisfação de seu crédito duas vezes, já que independente da referida sentença, o seu saldo real estará habilitado pelas próprias recuperandas”.
Disse ainda que a decisão é passível de defesa, “haja vista os argumentos lançados sobre o alcance da desconsideração da personalidade jurídica e seus efeitos desafiam frontalmente o entendimento sedimentado do Superior Tribunal de Justiça”.
Por fim, a empresa disse que no momento adequado apresentará a defesa em nome do rei do bitcoin.
Se o investidor conseguir chegar ao patrimônio do rei do bitcoin, ele pode sair de fila de quase 10 anos
Se o investidor realmente conseguir reaver a dinheiro por meio do patrimônio do rei do bitcoin, ele vai se livrar de uma espera de quase 10 anos. Isso porque o Grupo Bitcoin Banco só quitará as dívidas com os credores em 2027, conforme plano de recuperação judicial divulgado em abril.
Segundo o documento, os clientes vão receber apenas 0,1 bitcoins (um décimo do valor da criptomoeda) em até três meses após data da homologação do processamento da recuperação judicial.
Se o investidor tiver valor superior a 0,1 bitcoins, no entanto, precisará respeitar uma carência de um ano para começar a receber o restante do que tem direito. Após aguardar esse período, começará então a receber o saldo, que será diluído em 84 parcelas mensais.
Em outro caso, Justiça decidiu que trabalhador pode executar bens de empresa em recuperação judicial
Não foi a primeira vez neste ano que a Justiça decidiu dar ao credor a possibilidade de ir atrás dos bens dos sócios de uma empresa em recuperação judicial.
Em fevereiro, 1ª Câmara do TRT-SC (Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região) determinou que ex-funcionário de uma transportadora de Joinville (SC), que está no meio de um processo de recuperação judicial, pode executar uma dívida trabalhista de R$ 40 mil contra o patrimônio de um dos sócios.
De acordo com a sentença, quando a empresa não tem caixa suficiente para quitar o que deve, a pessoa pode recorrer aos recursos dos sócios.
“No caso de eventual constrição dos bens, esta não recairá sobre o patrimônio da massa falida ou da empresa recuperanda, mas contra o patrimônio do sócio, que não se confunde com o patrimônio da empresa executada”, disse o desembargador Wanderley Godoy Júnior, que analisou o caso.
Histórico do Grupo Bitcoin Banco
O Grupo Bitcoin Banco foi fundado pelo empresário Claudio Oliveira no final de 2017.
Em maio de 2019, a empresa informou que foi vítima de um suposto golpe de clientes, que teriam se aproveitado de uma brecha no sistema para supostamente fazer saques duplos. O prejuízo teria sido de R$ 50 milhões. Naquela época, a empresa registrou um boletim de ocorrência na Delegacia de Estelionato de Curitiba.
Em maio deste ano, depois de um ano investigando a suposta fraude, a Polícia Civil do Paraná decidiu arquivar o caso. O relatório final informou que a empresa de Oliveira pode ter inventado o suposto golpe para não pagar os investidores.
Por causa da posição da polícia, o rei do bitcoin chegou a questionar a “parcialidade” do delegado José Barreto de Macedo Júnior, do Nuciber (Núcleo de Combate ao Cibercrime). Ele foi o responsável por analisar o caso.
Nesse meio tempo entre o suposto golpe e a conclusão da investigação, a sede da empresa foi alvo de busca e apreensão e de protestos de investidores. Oliveira chegou a ter o passaporte retido. A CVM (Comissão de Valores Mobiliários) também proibiu a empresa de ofertar investimentos públicos.
No final do ano passado, a Justiça acatou o pedido de recuperação judicial do grupo. A ação sofreu reviravoltas, foi suspensa por um tempo e, no meio de tudo isso, um advogado chegou a pedir a prisão Oliveira. O motivo foi o sumiço de 7 mil bitcoins, apontado pela administradora judicial.
O caso, que daria um baita seriado do Netflix, está longe de ter um desfecho para os investidores. Muitos venderam casas, fizeram empréstimos e usaram economias guardadas por anos porque acreditaram nas falsas promessas feitas pela empresa.